Por: Carlos Carvalhal - http://www.coachcarvalhal.com/
Modelo de jogo é um conceito muitas vezes utilizado no futebol! Mas
será que a esmagadora maioria das pessoas que o utiliza sabe
verdadeiramente do que está a falar?
Recordo uma frase de um treinador de uma equipa após uma derrota:
“Temos que começar a jogar à Porto…” Os adeptos nunca lhe perdoaram esta
expressão! Conclusão: em pouco tempo teve que sair do clube!
Como é que isto se relaciona com o Modelo de Jogo? Já vamos perceber!
O Modelo de Jogo não é conjuntural, é essencialmente estrutural! Um
treinador ao ser contratado, está a transportar as suas ideias para uma
estrutura existente (ela existe por muito fraca que seja)! Um imperativo
nesta profissão, é ter a capacidade de analisar muito bem o contexto
onde se vai inserir: clube, relações entre pessoas, adeptos, meio
social, político, local, regional, nacional, os costumes, as crenças, a
história do clube e as suas melhores épocas, o sistema predominante nos
anos de sucesso, as últimas equipas e jogadores, os jogadores que têm ao
dispor, os que pode contratar, entre outras… só depois poderá definir
um Modelo de Jogo.
Estive muito recentemente num País Europeu onde assisti a dois jogos.
A pressão exterior era enorme, os adeptos faziam realmente muito
barulho, são extremamente emocionais. Em várias situações percebi
claramente a intenção de um jogador querer lateralizar um passe, tendo
sido incrível o condicionamento provocado pelos adeptos, quase que o
“obrigando” a jogar na vertical!
Acham que ao perceber o envolvimento, o treinador não deverá ter
estes aspectos em atenção?! Claro que sim! Procurar jogadores com forte
personalidade, trabalhar a sua mente para terem a capacidade de se
imunizar ao envolvimento.
Recordam-se da infeliz expressão de um colega meu sobre o jogar “à
Porto”? Em muitos clubes não teria eco! Mas foi proferida num clube com
adeptos com muita paixão, um clube com forte identidade e elevada
exigência, sendo para estes incompreensível modificar a sua matriz.
Perceber a história do clube, a sua personalidade e sua força social é fulcral para ter êxito!
Outro exemplo, este vivenciado por mim! Da análise prévia que fiz ao
contexto do Vitória de Setúbal e do Leixões, fez-me chegar a algumas
conclusões importantes. Eis apenas algumas delas: Importante e
significativa massa crítica por parte dos seus (apaixonados) adeptos,
carregados de amor clubístico, com uma participação extremamente activa
(para o melhor e pior), tanto nos jogos em casa como fora; percebi
claramente quais as estruturas tácticas e dinâmicas utilizadas nas suas
melhores épocas; nestes períodos ambos os clubes tinham nos seus
planteis uma base importante e significativa de jogadores oriundos da
sua formação; havia uma valorização de jogadores mais sobre o aspecto
técnico do que outra capacidade; necessidade de escolher jogadores com
forte personalidade (não é qualquer jogador que joga no Vitória ou no
Leixões); ganhar não chegava, tinha que se jogar bem…
Concordam comigo quando refiro que todos estes aspectos são
importantíssimos para definir um Modelo de Jogo? A escolha de jogadores
dentro de um conjunto de características, devem por um lado ir ao
encontro das ideias do treinador, e ao mesmo tempo perceber a filosofia,
história e cultura do clube! Não só porque estão melhor preparados para
o envolvimento, como podem ser veículos de transmissão para os outros
jogadores. Em ambos os clubes procurámos jogadores da sua formação, e
creio não estar enganado ao referir que no ano da subida de divisão do
Vitória tínhamos 13 jogadores da formação, no Leixões 14.
Como escolher o sistema de jogo? Recordo o que aconteceu quando ainda
jogava no Espinho, na 1ª divisão! Os melhores anos deste clube tinham
sido orientados por Quinito, jogando preferencialmente em 1.4.3.3, com
dois extremos bem “abertos” nas linhas laterais. Um treinador em
determinada altura optou por jogar em 1.4.4.2! Pois bem, para além dos
jogadores terem que se adaptar a esse novo sistema, o treinador teve
ainda a dificuldade de ter que lidar com a pressão dos adeptos que
diziam que faltava um jogador ali, e outro acolá! Conclusão: acabou por
mudar rapidamente para o sistema mais tradicional no clube.
Adivinho o que estão a pensar! O treinador deveria ter personalidade e
impor as suas ideias! Concordo em parte, mas erro maior é contrariar a
história do clube… experimentem ir para o Atlético de Bilbau e proponham
a contratação de um jogador que não seja da região Basca!
A cultura, os hábitos e costumes devem ser cuidadosamente analisados
pelo treinador na definição de um Modelo de Jogo, e muitas vezes os
pormenores podem fazer toda a diferença! Será que, por exemplo, no caso
do Espinho, as dimensões do campo também possam estar relacionados com a
definição do Modelo de Jogo? Campo mais pequeno, adversários mais
fechados na zona central, logo a necessidade de ter “campo grande “ a
atacar e de criar desequilíbrios pelos corredores, tornou-se cultural. A
procura de jogadores com determinadas características para uma
estrutura tornou-se um imperativo, desenvolveram-se relações colectivas e
emocionais, criou-se um Modelo de Jogo.
Vamos então falar do Modelo de Jogo adoptado… como assim? Ouço e leio
muitas vezes esta expressão! Isso não existe! O Modelo de jogo
idealizado, parece-me a expressão mais adequada! Não existem dois
Modelos de Jogo iguais, logo não acho correcto falar em adopção de um
Modelo. Isto será o mesmo que dizer que só existe um futebol… existem
muitos futebóis! O Real Madrid Joga igual ao Barcelona?! O Porto joga
igual ao Benfica?!
Modelo de Jogo idealizado, porquê? Porque é aquilo a que aspiramos
jogar, aspiramos porque nunca chegamos a atingir! O Modelo idealizado
está permanentemente a ser construído e reconstruído. Definimos
princípios e sub-princípios para cada momento de jogo! Quando pensamos
que estão consolidados e estamos a melhorar outros, no jogo seguinte
aqueles que momentaneamente “abandonamos” deixam de se manifestar com
eficiência.
O jogo tem um fluxo contínuo! Quando falamos em princípios de Jogo,
falamos da sua articulação, não só entre si como também na relação e
articulação com os sub-princípios e concomitantemente a articulação
entre estes. Nisto, o treinador deve revelar-se como um gestor do
processo, na necessidade de hierarquizar os princípios e sub-princípios
(e ainda os sub dos sub-princípios…), de modelar comportamentos através
da inovação de exercícios, incutindo uma forte matriz emocional, sem
nunca perder o sentido do Todo no “desmontar” desse mesmo Todo, de forma
a reduzir sem empobrecer. Isto é, temos um problema para resolver na
equipa, queremos treinar sobre um grande princípio e enfatizar as
relações com os sub–princípios! Ao organizar a unidade de treino devemos
ter cuidado de não perder o sentido do Todo, ao “fraccionar” o jogo
para inovar determinado exercício.
A matriz emocional do treinador no processo transmite a sua
singularidade. Ele é único, os clubes, as equipas, os jogadores são
todos diferentes. Num processo que deve ser de ensino-aprendizagem
emerge a figura do treinador, na gestão e modelação de comportamentos e
emoções, direccionando-os intencionalmente para a sua Ideia de Jogo, que
é única, logo singular.
Cumpre ao treinador gestor fazer evoluir a sua ideia, através da sua
sensibilidade, para detectar onde o processo está a crescer ou a
“mirrar”, que relação entre princípios e entre estes e os sub-princípios
deve acentuar, num processo extremamente dinâmico. Assim o Modelo de
Jogo cresce, configurando um Todo muito mais do que a soma das partes.
Podemos dizer que o Modelo de Jogo é algo utópico, podemos andar lá
perto mas nunca se alcança! Está em permanente evolução e reconstrução,
até porque o “descobrir” as capacidades e deficiências dos nossos
próprios jogadores, leva a que muitas vezes se enriqueça ou empobreça o
Modelo inicial que idealizamos.
Mourinho referiu no final do jogo com o Real Madrid que o Barcelona é
um projecto acabado e que o Real Madrid está a dar os primeiros passos!
Concordo e entendo esta expressão, apenas acrescento que sendo um
projecto acabado, não quer dizer que não possa evoluir ou regredir.
Acabado na completa interpretação dos princípios e sub-princípios de
Jogo muito bem definidos - completamente de acordo! A manutenção e
evolução dependem em primeira instância da qualidade do treino, depois
dos jogos e as suas incidências!
Esta abordagem ao Barcelona x Real Madrid não foi inocente!
Defrontaram-se claramente duas equipas com Filosofias de clube
completamente diferentes, que como referimos anteriormente se manifestam
no Modelo de Jogo.
De um lado o Barcelona, com um Modelo de Jogo de clube, contratando
treinadores dentro desta ideia, que possam acrescentar algo à ideia
original! Ideia e Modelo que vem da formação, que tem anos e que
representa muito do que é a Catalunha, o seu fervor regional. Princípios
e sub-princípios de Jogo bem definidos desde a base até aos seniores! A
procura de jogadores de fino recorte técnico, que possam integrar uma
Ideia estrutural.
Por outro lado, ainda um projecto de autor (como creio ter referido
Valdano)! Com uma Filosofia claramente diferente, mais virada para o
exterior e para a mediatização. Ideia que Mourinho (o autor) procura
contrariar, criando uma estrutura desde a base até aos seniores, de
forma a ter futuramente um projecto de clube, o ser Real Madrid desde a
cantera… isto é um Modelo diferente e por ser diferente não se vai
modificar na 2ª parte do jogo… vai demorar anos a implementar!
TODOS OS CREDITOS Á CARLOS CARVALHAL - http://www.coachcarvalhal.com/
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