Autor: Felipe Nassau
Resumo em tópicos
- Não há evidências ou comprovações suficientes para afirmar que alongamentos prévios reduzam o risco de lesões durante exercícios.
- Realizar alongamentos antes de exercícios não aumenta o desempenho esportivo.
- Realizar alongamento antes de um treino de musculação pode reduzir a força muscular em até 7%.
- Caso o alongamento seja mais intenso, a perda de força pode chegar a 27%.
- O alongamento após o exercício não evita que a pessoa fique dolorida no dia seguinte, podendo até ser lesivo, se for muito intenso.
- Alongamentos são proveitosos para tratar encurtamentos musculares e para aumentar a flexibilidade, mas em momentos adequados.
- Para melhorar a flexibilidade de atletas e praticantes de atividades físicas, o alongamento deve ser executado respeitando horários, dias e intensidades adequadas. Além disso, o planejamento deve ser feito por um treinador competente, da mesma forma que qualquer outra modalidade de treinamento.
Aquecimento e alongamento
Com
o surgimento dos estudos das ciências do esporte, iniciou-se a
preocupação com a segurança em sua prática. Assim, surgiram fundamentos
para a prática de aquecimentos prévios ao exercício. Com a importância
do aquecimento vieram também as suposições sobre os alongamentos. Até
hoje, para muitos praticantes e profissionais, o alongamento é dito
indispensável à realização de qualquer esporte, inclusive após o
exercício. Porém, ao olhar da ciência, isso tem pouco fundamento e
nenhuma comprovação.
Aquecimento é:
uma prática de exercícios preparatórios que normalmente consistem de
exercícios similares ao que serão realizados no treino ou prova, porém,
em menor intensidade.
Alongamentos são:
exercícios onde o indivíduo permanece por um determinado tempo numa
postura em que o músculo solicitado se mantém na sua extensão máxima,
podendo ter ou não uma força externa atuando para intensificar o
alongamento.
O
aquecimento, sim, é extremamente importante, pois realmente prepara o
indivíduo para o esforço, melhorando o desempenho e reduzindo o risco de
lesões. O aumento de temperatura melhora a condução do impulso nervoso
até o músculo e diminui a sua viscosidade, atenuando o atrito entre
fibras musculares. Junto com a movimentação do corpo aumenta-se a
liberação do líquido que lubrifica as articulações - o líquido sinovial,
além de fazer com que a mente comece a se concentrar para a realização
de esforços mais elevados. Ou seja, o aquecimento prepara
o estado físico e psicológico para realizar a tarefa, seja um
levantamento de pesos, uma corrida, salto, uma partida de futebol ou
outro esporte.
Em
contrapartida, o alongamento antes do treino e/ou competição não
promove nenhum desses benefícios, pois não eleva a temperatura do corpo,
não diminui a viscosidade do músculo, tampouco faz aumentar a
lubrificação das articulações. Sendo assim, não substitui o aquecimento e
nem o complementa, logo não aumenta a segurança nem o desempenho
esportivo pelos motivos que o aquecimento o faz.
Alongamento e segurança
Os
pesquisadores que estudam sobre alongamentos afirmam que uma sessão de
alongamentos não aumenta em nada a segurança do exercício e que não
existem argumentos científicos que possam afirmar o contrário. Assim,
afirmações diferentes disso se apóiam em leituras ou cursos baseados em
senso comum, pois em publicações de periódicos confiáveis, tal fato
nunca conseguiu ser comprovado.
Alongamento e desempenho
Outros
pesquisadores que buscaram explicar a influência dos alongamentos no
desempenho tiveram uma surpresa. Uma simples sessão de alongamentos
leves pode levar a uma perda de força próxima a 7%. Caso os alongamentos
sejam mais intensos, a força pode cair até 27% por até mais de 1 hora.
Isso pode ocasionar desde uma sessão de musculação com um baixo
desempenho até a perda de uma medalha numa final olímpica dos 100m
rasos, afinal, todo esporte depende da força e sua diminuição afeta as
outras capacidades físicas.
Alongamentos, paradigmas e Ética profissional
Mesmo
com todas essas comprovações ainda é comum ver o alongamento como
indispensável em academias, no aquecimento de atletas de futebol e de
outros esportes. Esse conceito parece ser tão arraigado na nossa
sociedade que quem questionar, costumeiramente, é criticado com
indicações à negligência e loucura. Nesse sentido, o senso comum
prevalece sobre o estudo acadêmico que habilita (ou deveria habilitar) o
profissional para atuar no mercado. Não seria negligente prescrever um
alongamento antes de uma prova competitiva, visto que sua prática pode
arriscar a perda de anos de trabalho árduo? Não é uma prática
irresponsável dizer ao aluno algo que não tenha comprovações
científicas? Negar-se a aplicar as evidências científicas pelo motivo:
“já se faz isso há muito tempo e sempre foi assim” não caracteriza uma prática antiética?
Vale
lembrar que Ética e “política da boa vizinhança” são atitudes bem
diferentes. A Ética consiste na ciência que procura embasar as relações
sociais, de modo que o bem comum seja alcançado, ou seja, que nossas
atitudes sejam benéficas à sociedade em que vivemos. Sendo assim, a
desatualização e utilização de conceitos ultrapassados, e que podem
prejudicar o resultado final, pode ser considerado antiético
Alongamento e dores tardias
Outra
finalidade atribuída ao alongamento é a de evitar que o músculo fique
dolorido no dia após o exercício, o que é chamado de dor tardia. Mais
uma vez, um mito.
A
dor tardia nada mais é que uma sensibilização a um processo
inflamatório. Sempre que é exigido do músculo um esforço elevado ou for
imposta uma alta tensão, incomum às atividades diárias, ocorrerão
pequenas lesões nas fibras musculares, chamadas de microlesões. As
microlesões podem acontecer em qualquer atividade física, até mesmo no
alongamento. No período de descanso, ocorrem processos fisiológicos que
regeneram as células, tornando-as “mais fortes” do que eram, para
suportar um maior grau de esforço.
O
primeiro passo para recuperar uma estrutura danificada é a instalação
deste processo inflamatório. Ou seja, se durante o exercício as
estruturas forem lesionadas, o alongamento não fará com que aumente a
regeneração, tampouco fará com que o processo inflamatório seja cessado,
até porque este é necessário para a recuperação do músculo. Se o treino
for intenso o suficiente para causar dor tardia, fazer ou não o
alongamento após o treino não evitará isso. E caso seja realizado um
alongamento intenso, por expor o músculo fatigado a uma alta tensão,
isso pode até fazer com que o atleta sinta mais dor no dia seguinte e
até instalar uma lesão nociva ao organismo, uma macrolesão.
Alongamento e seus reais propósitos e benefícios
As
reais funções do alongamento são de relaxamento e de melhorar a
flexibilidade do corpo. Não são preparatórios para exercícios, nem
impedem dores tardias.
Muitos
apresentam encurtamentos musculares que impedem movimentos naturais
como agachar, elevar e movimentar os braços para trás, isto pode
acarretar patologias posturais, além de dores. Alongar tais músculos,
junto ao fortalecimento, pode ser uma boa estratégia de tratamento onde o
alongamento pode (e deve) ser utilizado. Além disso, alguns esportes
exigem extrema flexibilidade, como a ginástica, corrida com barreiras,
natação e capoeira, e não há outra maneira de desenvolver a
flexibilidade em tal nível sem fazer alongamentos. Não há problema
nenhum em realizá-los, por mais intensos que sejam, desde que sejam
realizados em intensidades adequadas e em momentos adequados, para que
seus benefícios sejam obtidos sem atrapalhar outros componentes do
treinamento. Para isso, é essencial saber como incluir o alongamento no
plano principal, para que seja seguro, e os ganhos de flexibilidade
sejam efetivos. Em exercícios onde a fibra muscular danifica-se pouco,
como a natação, pode ser interessante utilizar até três sessões semanais
de alongamentos; já em treinos onde ocorre alto impacto ou tensão
muscular como as corridas velozes e o treinamento de força, talvez seja
mais produtivo utilizar uma menor frequência de treinos de
flexibilidade.
Conclusões
Apesar
de compor o senso comum de professores, esportistas e até de
treinadores de atletas, o alongamento prévio não é capaz de evitar
lesões durante os treinos e nem melhorar o desempenho. Pelo contrário,
promove quedas de desempenho. Após treinos, também não evita dores
tardias, podendo até aumentá-las. A real aplicação dos alongamentos é o
relaxamento em músculos muito tensos e para o treinamento da
flexibilidade. Nesse sentido, os alongamentos não devem ser feitos nem
antes e nem depois do treino, mas sim como um treino específico, sendo
colocados dentro do planejamento de treinamento, seja para um atleta, ou
para tratar encurtamentos musculares, que são causadores de dores,
desvios posturais ou restrições de movimentos. A flexibilidade é uma
capacidade física fundamental e que deve ser trabalhada sempre, seja
para o alto nível esportivo, seja para melhorar a qualidade de vida,
porém, este trabalho não pode interferir negativamente na melhora de
outras capacidades físicas como a força e a potência, podendo, até, não
ser efetivo na melhoria da própria flexibilidade, se mal planejado. Por
esse motivo é imprescindível a prescrição e acompanhamento dos
alongamentos por um profissional de Educação Física competente e
atualizado sobre o assunto.
Leia também:
Referências
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